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Editorial do mês

 

 

A dor na síndrome pós-terapia intensiva
Felipe Sousa Siqueira e Ana Clara Gonçalves da Costa *

 

A melhora da experiência após a sobrevivência de pacientes internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) é um grande desafio para a área da medicina intensiva atualmente1. As morbidades físicas apresentadas por pacientes com falência orgânica múltipla variam desde a perda de massa e força muscular, conhecida como Fraqueza Muscular Adquirida na Terapia Intensiva (FMA-UTI) e outras deficiências cognitivas/mentais após a alta hospitalar2. Com a crescente preocupação com a condição de saúde destes indivíduos, em 2010, uma força tarefa de profissionais da Sociedade de Medicina de Cuidados Intensivos sugeriu a criação de um termo que descreve a condição de pacientes com sintomas persistentes após a alta de Unidades de Terapia Intensiva, chamada de Síndrome Pós-Terapia Intensiva (PICS)3.

 

Dentre os sinais da PICS citados anteriormente, a dor persistente é um sintoma relatado entre os sobreviventes de cuidados intensivos. Em um estudo realizado no Reino Unido após 1 ano de internação em UTI, constatou-se que 70% de 293 pacientes apresentavam quadro de dor persistente após a alta hospitalar4. Para além desta situação, a dor persistente nesta população não se dá por somente uma causa, mas é advinda de diversas etiologias, e a exposição a certos fatores de risco que aumentam as chances de persistência da dor e dificultam o manejo desta condição de saúde. Dentre os fatores de risco listados para a persistência da dor estão: 1) Cirurgias: Especialmente em pacientes submetidos a cirurgias de emergência, em que a incidência da persistência de sintomas é maior; 2) Procedimentos Médicos: A exposição à dor intensa e estresse durante procedimentos médicos e de enfermagem pode facilitar a transição de dor aguda para crônica, devido a alterações fisiológicas nos sistemas nervoso periférico e central5; 3) Fatores Psicológicos e de Controle: Por fim, diversos pacientes internados em UTIS experimentam sinais de Estresse Pós- Traumático, ansiedade e depressão4 e a dor é frequentemente exacerbada por traumas neuropsicológicos6. Adicionalmente, uma recente revisão sistemática levantou a hipótese de associação de respostas inflamatórias na persistência da dor nesta população, entretanto, os resultados dos estudos apresentam divergências, deste modo, não é possível afirmar com certeza o real impacto do sistema imunológico e respostas inflamatórias na manutenção de dor em pacientes após a alta da UTI7.

 

Ademais, ao se pensar na persistência de sintomas relacionados à dor em pacientes após a alta hospitalar, os impactos não se limitam apenas a sintomas físicos e psicológicos. Devido à dor, há a necessidade de cuidados médicos após a alta hospitalar. Em outro estudo realizado no Reino Unido, 29% dos 47 pacientes avaliados necessitaram de fisioterapia após o fim da hospitalização8. Neste mesmo estudo de coorte, ¼ dos 293 pacientes que foram acompanhados necessitaram de assistência médica 6 meses após a saída hospitalar. Apesar de não se limitar a sintomas relacionados à dor, a PICS também traz consigo impactos econômicos e sociais. Em 12 meses de acompanhamento durante o estudo de coorte, 28% dos pacientes acompanhados se tornaram desempregados, se aposentaram ou reduziram a carga horária de trabalho após a internação na UTI4.

 

Apesar dos grandes impactos da PICS na persistência da dor em pacientes após a alta da UTI e da etiologia multifatorial da dor nesta população, existem estratégias que podem auxiliar no manejo desta condição. Um exemplo é a promoção de estratégias durante a internação hospitalar, como a mobilização precoce por parte da fisioterapia, por meio da promoção de exercício físico intra-hospitalar em pacientes intubados e submetidos à ventilação mecânica invasiva. Isto porque, a mobilização precoce tem a capacidade de reduzir o tempo de internação em UTI e na internação hospitalar geral9,10. Deste modo, os pacientes ficam menos expostos aos fatores de risco para desenvolvimento da PICS e dor crônica. Ainda, o manejo da dor durante a internação hospitalar deve ser rotineiramente avaliado e a causa de dor ser tratada com base em escalonamento de fármacos e ser associada ao desenvolvimento de diretrizes internas para orientação dos profissionais prescritores a fim de controlar a dor sem causar overdose de medicações9. Apesar dos desafios existentes, como o desenvolvimento destes protocolos, estas medidas podem auxiliar na redução da incidência de casos de dor em pacientes com PICS.

 

Logo, a Síndrome Pós-Terapia Intensiva (PICS) tem um impacto prolongado na percepção da dor por sobreviventes de cuidados críticos, levando muitos pacientes a desenvolverem algia crônica que compromete sua qualidade de vida e ocasiona impactos econômicos e sociais. Assim, protocolos de manejo da dor, programas integrados de cuidados e a educação de profissionais de saúde são estratégias que podem auxiliar na redução desses efeitos, embora mais pesquisas sejam necessárias para aprimorar essas abordagens. Adicionalmente, estudos que abordem a prática multiprofissional devem ser explorados para que o cuidado integral do paciente seja incentivado.

 

Referências:

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* Alunos de doutorado - UnB - disciplina da Pós-Graduação