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Editorial do mês

 

 

Afinal, de acordo com a ciência, a aromaterapia é eficaz na analgesia?
Gabriel Carvalho de Souza Santana * e Cristiane Flora Villarreal **

 

A dor é um sintoma que está presente em muitas doenças e representa um dos principais motivos que levam as pessoas a buscarem atendimento nos serviços de saúde. Apesar disso, os profissionais da saúde enfrentam dificuldades para o controle adequado da dor, que é feito principalmente por métodos farmacológicos. Os medicamentos mais utilizados atualmente para o controle da dor são analgésicos como opioides e dipirona, e anti-inflamatórios não esteroidais. Entretanto, esses medicamentos possuem limitações na eficácia analgésica e produzem efeitos indesejados que podem prejudicar a saúde e qualidade de vida dos pacientes, principalmente quando utilizados em doses elevadas e por tempo prolongado. Esse cenário reforça a demanda por novas terapias para o controle da dor.

 

Uma possível alternativa para o manejo da dor é o uso de práticas integrativas e complementares (PICs) com finalidade de auxiliar a terapia farmacológica. As PICs possuem respaldo legal no Brasil, sendo parte da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC), que prevê sua oferta à população de forma integral e gratuita pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A PNPIC engloba 29 procedimentos de PICs e tem como objetivo integrá-los às terapias tradicionais. As PICs incluem: fitoterapia, yoga, meditação, homeopatia, hipnoterapia, musicoterapia, aromaterapia, entre outras. Dentre essas, uma das terapias com maior aceitação e investimento é a aromaterapia, por conta do baixo custo, eficácia bem documentada e poucos efeitos indesejados [1,2,3].

 

A aromaterapia se baseia nas propriedades dos óleos essenciais, concentrados voláteis extraídos de vegetais, para tratamento de doenças e promoção da saúde física e mental. Essa abordagem terapêutica não é recente, tendo origem no Egito e Índia há milhares de anos, quando era associada com a fitoterapia [2]. O termo foi cunhado pelo cientista francês Gattefossé em seu livro "Aromatherapy”, publicado em 1936. Os óleos essenciais podem ser administrados de forma tópica, oral ou inalatória - sendo a via inalatória a única aprovada no Brasil – como adjuvantes no tratamento da dor crônica, ansiedade, estresse, bronquite, hipertensão, distúrbios do sono, entre outros. Entre essas indicações, o uso dos óleos essenciais para redução da dor crônica é um dos mais frequentes. Isso pode decorrer da alta prevalência das síndromes de dor crônica, de seu perfil debilitante e da falta de opções terapêuticas para seu adequado controle. Dessa forma, a aromaterapia vem se tornando cada vez mais popular na clínica da dor. Por outro lado, apesar da aromaterapia ser uma prática terapêutica antiga da humanidade, seus benefícios e propriedades são frequentemente questionados, e não há um consenso na literatura científica sobre sua eficácia. Afinal, aos olhos da ciência, a aromaterapia é eficaz com analgésico?

 

Essa é uma pergunta de difícil resposta, considerando que a literatura científica sobre esse tema mostra resultados contraditórios. Um estudo em idosos com dores crônicas, mostrou que massagem realizada com uso tópico dos óleos essenciais, produz efeitos analgésicos. Entretanto, não houve diferença entre o grupo que recebeu apenas a massagem e aquele que recebeu massagem com o óleo essencial, sugerindo que o efeito analgésico observado está principalmente relacionado à massagem em si [4]. Os efeitos da aromaterapia associada a massagem com óleos essenciais foram investigados também na dismenorreia, que é a dor relacionada à menstruação. Em um estudo clínico, a aromaterapia associada à massagem com os óleos essenciais reduziu a dor em mulheres com dor menstrual [5]. Seus benefícios podem ser explicados por ativação olfativa-hipocampal inibindo a dor, apesar desse mecanismo ainda não ser bem caracterizado. Esse estudo indica que a aromaterapia associada a massagem é benéfica no controle da dismenorreia, um tipo de dor muito prevalente e incapacitante.

 

A dor oncológica é outro tipo de dor de difícil tratamento, já que possui diversas causas e mecanismos subjacentes. É uma dor multifatorial que inclui domínios físicos e psicológicos, sendo concomitante aos sintomas oncológicos somados aos efeitos adversos dos antineoplásicos. Inúmeros estudos clínicos já foram conduzidos para avaliar os benefícios da aromaterapia em pacientes com dor oncológica. Uma revisão sistemática com meta análise, publicada em 2023, analisou 12 estudos clínicos no tema, e concluiu que o uso de óleos essenciais é eficaz na redução da intensidade da dor associada ao câncer. A aromaterapia reduz também a ansiedade, indicando benefícios consistentes para pacientes com dor associada ao câncer [6].

 

Os impactos da aromaterapia sobre a dor pós-operatória também vêm sendo investigados. O pós-operatório é um período crítico que envolve sintomas debilitantes como náuseas, limitações físicas, desconforto e dor. A dor pode prolongar o processo de cicatrização e o tempo de hospitalização, sendo prejudicial para o paciente e aumentando o custo hospitalar. Um estudo clínico investigou os efeitos da inalação de óleo de eucalipto na dor e nas respostas inflamatórias após cirurgia de artroplastia total do joelho. Os pacientes inalaram óleo de eucalipto por 30 minutos em 3 dias consecutivos. A aromaterapia com óleo de eucalipto diminui a intensidade da dor e a pressão arterial dos pacientes hospitalizados, indicando que pode ser uma intervenção eficaz para o alívio da dor no pós-cirúrgico [7]. A aromaterapia já foi investigada também em cirurgias específicas como a cesariana. Um estudo clínico randomizado e controlado por placebo foi conduzido com 60 gestantes submetidas à cesariana. O tratamento consistiu na inalação de óleo essencial de Lavanda após o início da dor pós-operatória, 4, 8 e 12 horas depois. As pacientes que inalaram óleo essencial de Lavanda tiveram menor dor pós-operatória, menor consumo de analgésicos, diminuição da frequência cardíaca e maior nível de satisfação com a analgesia em relação ao grupo placebo [8].

 

A aromaterapia também já foi objeto de estudo de ensaios clínicos em partos naturais. A literatura mostra que a aromaterapia reduz a intensidade da dor e necessidade de analgesia durante o trabalho de parto [9, 10].

 

Nas dores crônicas músculo esqueléticas, os resultados da aromaterapia são ainda inconclusivos. Estudos em dores crônicas de joelho, ombro e pescoço demonstraram potencial efeito analgésico e aumento da qualidade de vida de pacientes tratados com aromaterapia. Por outro lado, esses estudos possuem, em sua maioria, limitações metodológicas que impedem conclusões definitivas sobre a eficácia e segurança da aromaterapia nessas condições [11].

 

Em conclusão, a aromaterapia pode ser considerada uma prática integrativa e complementar promissora para o tratamento da dor de diversas origens. Enquanto os benefícios para alguns tipos de dor já possuem maiores evidências científicas, como na dor oncológica e pós cesariana, em outros tipos ainda são necessários mais estudos, como é o caso das dores crônicas músculo esqueléticas. Ensaios clínicos mais criteriosos e bem delineados devem aumentar o nível de evidência sobre a segurança e eficácia da aromaterapia no controle da dor. É importante ainda ressaltar que apesar da aromaterapia induzir efeito analgésico significativo, essa abordagem terapêutica precisa ser utilizada concomitantemente com a terapia medicamentosa e com acompanhamento de um profissional de saúde.

 

Referências:

[1] Cooke B, Ernst E. Aromatherapy: a systematic review. Br J Gen Pract. 2000;50(455):493-496.

[2] Ministério da Saúde, Brasil, acessado em 12 de maio de 2024. https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/saps/pics

[3] Boehm K, Büssing A, Ostermann T. Aromatherapy as an adjuvant treatment in cancer care--a descriptive systematic review. Afr J Tradit Complement Altern Med. 2012;9(4):503-518. Published 2012 Jul 1. doi:10.4314/ajtcam.v9i4.7

[4] Cino K. Aromatherapy hand massage for older adults with chronic pain living in long-term care. J Holist Nurs. 2014;32(4):304-315. doi:10.1177/0898010114528378

[5] Najaf Najafi M, Najaf Najafi N, Rashidi Fakari F, et al. The Effect of Aromatherapy Alone or in Combination with Massage on Dysmenorrhea: A Systematic Review and Meta-analysis. Rev Bras Ginecol Obstet. 2021;43(12):968-979. doi:10.1055/s-0041-1740210

[6] Corasaniti MT, Bagetta G, Morrone LA, et al. Efficacy of Essential Oils in Relieving Cancer Pain: A Systematic Review and Meta-Analysis. Int J Mol Sci. 2023;24(8):7085. Published 2023 Apr 11. doi:10.3390/ijms24087085

[7] Jun YS, Kang P, Min SS, Lee JM, Kim HK, Seol GH. Effect of eucalyptus oil inhalation on pain and inflammatory responses after total knee replacement: a randomized clinical trial. Evid Based Complement Alternat Med. 2013;2013:502727. doi:10.1155/2013/502727

[8] Olapour A, Behaeen K, Akhondzadeh R, Soltani F, Al Sadat Razavi F, Bekhradi R. The Effect of Inhalation of Aromatherapy Blend containing Lavender Essential Oil on Cesarean Postoperative Pain. Anesth Pain Med. 2013;3(1):203-207. doi:10.5812/aapm.9570

[9] Kaviani M., Azima S., Alavi N., Tobei MH. The effect of lavender aromatherapy on pain perception and intrapartum outcome in primiparous women. Br J Midwifery 2014; 22 (2):125–128. doi: 10.12968/bjom.2014.22.2.125.

[10] Dhany AL, Mitchell T, Foy C. Aromatherapy and massage intrapartum service impact on use of analgesia and anesthesia in women in labor: a retrospective case note analysis. J Altern Complement Med. 2012;18(10):932-938. doi:10.1089/acm.2011.0254

[11] Lakhan SE, Sheafer H, Tepper D. The Effectiveness of Aromatherapy in Reducing Pain: A Systematic Review and Meta-Analysis. Pain Res Treat. 2016;2016:8158693. doi:10.1155/2016/8158693


* Aluno de graduação – iniciação científica/extensão - UFBA
** Professora Associada - UFBA