A relação
entre dor e prática esportiva é um tema
complexo que envolve diversos fatores.
Muitas pessoas buscam alívio para a dor e,
nesse contexto, o exercício físico tem sido
amplamente discutido como uma opção tanto
para o tratamento quanto para a prevenção de
diferentes tipos de dor. Entretanto, a
prática de exercícios também pode contribuir
no desenvolvimento de lesões, por sobrecarga
física quando realizada de forma inadequada
ou excessiva, por exemplo. Então, a dor é
mais um sintoma a ser tratado com o
exercício físico ou uma consequência direta
da prática esportiva?
O exercício
físico pode ser eficaz no alívio da dor
crônica.1-3 Uma revisão
sistemática que analisou 35 estudos concluiu
que o exercício é um tratamento efetivo para
reduzir a intensidade da dor crônica em
adultos. O exercício tem demonstrado
melhorar a funcionalidade física, a
qualidade de vida e reduzir a dependência de
medicamentos analgésicos em indivíduos com
dor crônica osteomusculares, fibromiálgicas
e lombalgia, por exemplo.4 Um
estudo publicado em 2016 demonstrou que o
exercício terapêutico é eficaz no tratamento
da dor musculoesquelética e melhoria da
função física em indivíduos com dor nas
costas. A dor musculoesquelética crônica ou
aguda, incluindo dores nas costas, pescoço,
joelhos e ombros, é uma das principais
causas de incapacidade e afastamento do
trabalho.5 Uma revisão que
comparou 118 estudos clínicos, totalizando
9.710 participantes, mostrou que exercícios
físicos como Pilates, força e exercícios
baseados no core ou mente-corpo, trazem
benefícios para o controle da dor e
incapacidade na lombalgia crônica. Ainda,
concluíram que pelo menos 1 a 2 sessões por
semana de Pilates ou exercícios de força;
sessões de 60 minutos de exercícios básicos
de força ou mente-corpo; e programas de
treinamento de 3 a 9 semanas de Pilates ou
exercícios baseados no core, foram mais
benéficos em comparação a outros modelos de
atividade física.6 Em adição, o
exercício físico é considerado o tratamento
não farmacológico com maior nível de
evidência de eficácia para reduzir os
sintomas da fibromialgia, incluindo a dor.
Atividades físicas aeróbicas, como caminhada
rápida e exercícios aeróbicos acompanhados
por música, e treinamento de fortalecimento
muscular ou a combinação deles, reduz a dor
de pacientes com fibromialgia.7
Esses estudos
apontam que o exercício físico é uma
poderosa ferramenta estratégica na prevenção
e tratamento da dor, oferecendo uma série de
benefícios para indivíduos que buscam alívio
da dor e melhoria da qualidade de vida.
Praticado de forma adequada e acompanhada, o
exercício fortalece a musculatura, melhora a
flexibilidade, promove a circulação
sanguínea, libera endorfinas que atuam na
redução de dor e ajudam no controle do peso,
reduzindo assim a sobrecarga em articulações
e estruturas corporais.
Por outro
lado, embora a prática do exercício físico
seja geralmente benéfica na gestão da dor, é
importante destacar que ela também pode
causar ou agravar a dor. A dor é um sinal de
alerta importante do corpo de que algo não
está ocorrendo de forma fisiológica. No
contexto esportivo, a dor pode ser um
sintoma de sobrecarga física, falta de
técnica adequada, falta de aquecimento e
resfriamento. Além disso, aumentos bruscos
na intensidade do exercício podem levar a
lesões musculoesqueléticas e articulares,
como entorses, distensões musculares,
fraturas e tendinites, entre outras, que são
associadas à dor. A Sociedade Ortopédica
Americana de Medicina Esportiva (do inglês,
AOSSM) relata que lesões relacionadas à
prática esportiva são responsáveis por uma
parcela significativa das dores
musculoesqueléticas. Essas lesões requerem
tratamento adequado para prevenir
complicações futuras e permitir uma
recuperação completa.8
A dor por
sobrecarga física excessiva é conhecida como
síndrome do excesso de treinamento ou
síndrome do overtraining. Esse quadro ocorre
quando um atleta excede seus limites
corporais de treinamento sem permitir tempo
suficiente para descanso e recuperação
adequados. A dor nesse contexto é um sinal
de alerta e requer uma avaliação cuidadosa
para evitar lesões e melhorar o desempenho.
Um estudo publicado em 2019, mostrou que
lesões por overtraining são mais comuns em
esportes de alto impacto, como corrida de
longa distância, basquete e futebol.9
É fundamental diferenciar a dor que indica
uma lesão ou sobrecarga e a dor transitória
que ocorre como resultado do exercício
vigoroso. No primeiro caso, o tratamento
adequado e a reabilitação são essenciais
para prevenir complicações e promover a
recuperação. No segundo caso, a dor é uma
parte natural do processo de adaptação do
corpo ao exercício e geralmente não requer
intervenção específica.
Durante a
atividade física intensa, ocorrem
microlesões musculares, inflamação e
estresse oxidativo, que podem levar a
sensações de dor e desconforto. Essa dor
temporária e autolimitada, conhecida como
dor muscular de início tardio (DMIT), é uma
resposta fisiológica normal do corpo ao
exercício extenuante. Estudos apontam que a
prevalência de DMIT após a prática esportiva
varia de 20% a 85% dependendo do tipo de
atividade, intensidade e duração e
geralmente desaparece dentro de 24 a 72
horas após o exercício. Esse tipo de dor não
requer tratamento específico, apenas medidas
de recuperação adequadas, como descanso,
hidratação e alongamento.10-12
Por outro lado, em casos mais raros e no
contexto de lesões específicas, a dor pode
evoluir para sua forma crônica, demandando
acompanhamento médico e tratamentos
prolongados. Essa manifestação crônica da
dor, embora rara, aponta para a importância
da recomendação da prática orientada de
exercícios físicos.
Diante dessas
evidências científicas, é possível concluir
que o exercício físico é uma estratégia
efetiva para o controle da dor crônica. Por
outro lado, considerando que a prática de
exercício físico pode apresentar riscos, é
fundamental que qualquer programa de
exercícios seja adaptado às necessidades e
capacidades individuais. O acompanhamento
por profissionais qualificados, como
fisioterapeutas, educadores físicos ou
médicos especialistas, pode assegurar que a
prática de exercícios seja realizada de
forma segura e adequada. É importante
salientar que a dor decorrente do exercício
físico inadequado não deve ser encarada como
uma razão para evitar a prática regular de
atividades físicas, mas sim como um sinal
para buscar orientação profissional e
ajustar o programa de exercícios de acordo
com as necessidades e limites individuais,
evitando assim o risco de lesões.
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Aluna de
doutorado da FIOCRUZ/PGBSMI