Quantos de nós
reprimimos nossas emoções e sentimentos a
ponto de se tornarem dor física!?
A incidência
de dores de origens emocionais e
psicológicas tem ampliado o interesse dos
pesquisadores pelas doenças psicossomáticas
a fim de contribuírem para melhorar a
qualidade de vida humana. A partir da década
de 40, o termo psicossomático passou a ser
utilizado para nomear o campo da medicina
que atua com influência de aspectos
psicológicos para a determinação de doenças
orgânicas, considerando que não é possível
separar o psicológico do orgânico (ZIMERMAN,
2009).
O Código
Internacional de Doenças (CID-10) define a
doença psicossomática como uma condição de
apresentação repetitiva de sintomas físicos
persistentes que não possuem base física,
porém mantém íntima relação com eventos
emocionais desagradáveis e conflituosos (WELLS
et al., 2011). Já o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V)
adota o termo “transtorno de sintoma
somático e transtornos relacionados”, como
uma condição na qual o relato subjetivo do
paciente de sintomas físicos está associado
a sofrimento, interrupção do funcionamento
diário e pensamentos, sentimentos e emoções
desproporcionais, que tendem a aparecer de
forma intensa e constante (COZZI et al.,
2021). Isto é, a doença psicossomática pode
existir em vários graus, o diagnóstico deve
ser pautado na manifestação de sintomas
somáticos perturbadores associados a
sentimentos, comportamentos e pensamentos
considerados anormais como resposta ao
sintoma e não apenas no fato de que os
sintomas não são acompanhados de uma causa
médica/fisiológica.
A dor é o
sintoma mais comumente relatado por
pacientes com doença psicossomática.
Contudo, devido a uma possível falta de
conscientização e treinamento dos
profissionais, esses pacientes muitas vezes
não são reconhecidos, ou são mal
diagnosticados e mal manejados
terapeuticamente. Isso reforça o círculo
vicioso de preocupação com uma doença
desconhecida, aumenta a ansiedade e, em
última instância, contribui para as idas
recorrentes aos serviços de saúde (COZZI et
al., 2021). Alguns fatores muito subjetivos
podem afetar a presença destas dores, como a
visão de vida negativa, a supervalorização
das dores, a descrença na cura, ou até mesmo
o estresse crônico, isolamento social ou a
genética e herança fisiológica de dores
(HOSPITAL SANTA MÔNICA, 2019). Saber destas
possibilidades, remetem ao próprio sujeito
ou ao profissional de saúde aprender a lidar
e realizar encaminhamentos corretos para a
cura.
É fundamental
desmistificar as dores psicossomáticas,
dando ouvidos e levando-as em consideração
para alcançar uma solução eficaz. O processo
de psicoterapia, em grupo ou individual, é
um aliado para a cura ou amenização dos
sintomas, e deve atuar em conjunto com
acompanhamento por psiquiatras,
reumatologistas, fisioterapeutas, e outros
profissionais de saúde (TRAJANO, 2022). Esta
abordagem multiprofissional abrangerá não só
a estruturação dos cuidados, mas também
facilitará o diálogo entre paciente e
família, além de expandir a própria
capacidade de autocompreensão e respeito aos
seus próprios sintomas e demandas.
As atuais
pesquisas neurocientíficas muito
contribuíram para a compreensão de nossas
estruturas cerebrais e permitiram o
desenvolvimento da reabilitação cognitiva,
como uma abordagem terapêutica útil para uso
concomitante aos tratamentos tradicionais.
Trata-se de uma técnica que consiste em um
conjunto de práticas não farmacológicas que
têm como objetivo reduzir os déficits
causados por problemas neurológicos ou por
doenças degenerativas, garantindo que o
paciente tenha autonomia e independência
funcional e ativa, no maior nível possível (SERON
et al., 2008).
A reabilitação
cognitiva é uma abordagem promissora para o
tratamento de disfunções cognitivas e vem
sendo recentemente empregada no tratamento
da dor psicossomática crônica (FERSUM,
2019). A prática da reabilitação cognitiva
pode ser realizada por especialistas de
diversas áreas que tenham treinamento
específico. Existem duas abordagens gerais
de reabilitação cognitiva para a melhora das
funções cognitivas e atividades de vida
diária: a restaurativa e a compensatória (CHEN
et al., 2021). Tais práticas se tornam
possíveis diante do complexo conceito de
reserva cognitiva, a capacidade do cérebro
armazenar vários repertórios comportamentais
e cognitivos que o tornará mais flexível
para enfrentar possíveis doenças neurais e
manter uma atividade mental contínua ao
longo da vida (BEZERRA, 2012; LAKS, 2015). A
reserva cognitiva aliada ao conceito de
neuroplasticidade, capacidade de criar
neurônios ou novas conexões ou, ainda,
reutilizar caminhos neuronais e suas
conexões existentes e esquecidas ou pouco
usadas, ampliam a capacidade de resposta
comportamental e cognitiva do cérebro (PODCAST
RESERVA COGNITIVA, 2022). Tais achados
neurocientíficos nos trazem uma excelente
notícia: pode-se reabilitar o cérebro!
O emprego de
tratamentos cognitivos para o controle da
dor é uma abordagem recente e ainda em fase
de investigação sobre seus reais benefícios
clínicos, mas os achados até aqui
demonstraram resultados positivos, sobretudo
no controle da dor emocional (FERSUM, 2019).
Ademais, a reabilitação cognitiva vem
contribuir ao tratamento de dores
psicossomáticas aliando-se ao tratamento
psicológico por fazer o paciente aprender a
controlar seus pensamentos, a realizar uma
autorregulação de ideias positivas e retirar
o foco nas dores. Além disso, ela introduz
novas rotinas intelectuais que irão desfocar
o pensamento contínuo na dor para outros
focos de interesse intelectual aumentando,
inclusive, a autoestima (CLÍNICA ESTÍMULOS,
c2019).
Diante do
exposto, é possível que o próprio sujeito,
em conjunto com uma rede de profissionais,
possa realinhar o novo caminho para lidar
com sua dor. Visto que o cérebro é plástico,
pode-se treinar, com o uso da reabilitação
cognitiva, a autorregulação, sugerindo novos
focos em atividades intelectuais;
estimulando uma vida socialmente ativa;
criando metas; auxiliando na organização de
rotina; criando hábitos de atividade física
e, por fim, usando estratégias de alcance de
calma e equilíbrio para controlar o estresse
e a dor. Com a orientação profissional
adequada é possível treinar, controlar e
modificar os pensamentos e dessa forma,
tirar o paciente do quadro de dor e
permitindo-lhe uma vida com maior plenitude.
Referências:
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Disponível em: <https://hospitalsantamonica.com.br/entenda-o-que-sao-doencas-psicossomaticas-qual-a-origem-sintomas-e-tratamentos/>.
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Paulo: EDUSP, 2011. ZIMERMAN, David E.
Manual de técnica psicanalítica: uma
revisão. Artmed Editora, 2009.
1
Aluna de doutorado – UnB, 2 Aluno
de doutorado – UFBA, 3 Aluna de
doutorado – FIOCRUZ