|
|
|
Editorial do mês |
|
As possíveis intervenções de tratamento
na dor central pós acidente vascular encefálico
Deyvianne
Thaynara de Lima Reis e Victoria Lyssa Assis de
Mendonça *
O AVC é a
segunda principal causa de morte e talvez a
principal causa de incapacidade em todo o
mundo. Sua incidência aumenta à medida que a
população envelhece. Além disso, em países
de baixa e média renda, mais jovens são
afetados por acidente vascular cerebral (Valery
et al., 2021). Os AVCs isquêmicos são mais
comuns, mas os AVCs hemorrágicos levam a
mais mortes e perda de anos de vida
ajustados por incapacidade. A morbidade e
mortalidade por AVC variam de acordo com o
país, região geográfica e grupo étnico (Rajsicet
al., 2019). Em países de alta renda, em
particular, melhorias na prevenção, cuidados
agudos e neurorreabilitação levaram a uma
queda dramática na carga de acidente
vascular cerebral nos últimos 30 anos (Rajsic
et al., 2019). A dor central pós-Acidente
Vascular Encefálico (DCPA) é uma síndrome
neuropática crônica definida por dores e
certas anormalidades sensoriais em algumas
partes do corpo, ocorridas após uma lesão
relacionada ao Acidente Vascular Encefálico
(AVE) no Sistema Nervoso Central (SNC).
Estudos científicos indicam que uma lesão no
SNC pode levar a alterações neuroquímicas,
afetar a sensibilização central e alterar os
tratos espinotalâmicos e talâmicos (Haroutounian
et al., 2018; Henry et al., 2008; Klit et
al., 2009).
Os principais
tipos de dor pós-AVE são dores de cabeça,
dor no ombro, dor da espasticidade e a DCPA.
Porém, seu diagnóstico acaba sendo
dificultado, pois é apenas por exclusão,
justamente por não haver características
patagnomônicas. Apesar de não haver uma
escala específica, a escala visual numérica
geralmente é útil na avaliação da
intensidade da dor na DCPA. Desta forma, o
primeiro desafio encontrado para o
tratamento é o fato dela não ser muito
visada como objeto de estudo, quando
comparada com síndromes de dor periférica (Habibi-Koolaee
et al., 2018; Staudt et al., 2018). Uma das
principais intervenções farmacológicas de
primeira linha utilizada são os
antidepressivos tricíclicos, por exemplo, a
amitriptilina, nortriptilina, desipramina e
imipramina. Dentre eles, a que mais se
destaca é a amitriptilina, a qual tem se
mostrado mais eficaz. Um estudo cruzado
duplo-cego controlado por placebo realizado
por Kim et al. 2014 mostrou efeitos
analgésicos da amitriptilina em pacientes
com DCPA sem depressão. Os respondedores à
amitriptilina tiveram melhora clínica
durante as 4 semanas do estudo. Porém, seu
uso deve ser cuidadosamente prescrito, ainda
mais se o paciente for idoso e possuir
comorbidades concomitantes, pelos efeitos
anticolinérgicos dessa classe de medicação (Greenblatt
& Greenblatt, 2016; Kim, 2014; Pickering et
al., 2016).
Na classe dos
anticonvulsivantes, a gabapentina e a
lamotrigina são os principais fármacos que
têm apresentado eficácia nas síndromes de
dor neuropática central. Pois, a gabapentina
foi relatada como eficaz na redução da dor
contínua em estudos de pacientes com dor
neuropática periférica e central, incluindo
a DCPA. O benefício de se utilizar
medicamentos como esses é que geralmente são
seguros e com os seguintes efeitos
colaterais mais comuns: tontura, sonolência,
diminuição do desempenho cognitivo e náusea.
Portanto, eles podem ser especialmente úteis
no tratamento da dor neuropática quando os
pacientes não são capazes de tolerar doses
mais altas de antidepressivos como seu
medicamento de primeira linha (Finnerup et
al., 2015; Levendoğlu et al., 2004). Uma
possível estratégia para aumentar a eficácia
seria a terapia combinada, consistindo em um
gabapentinoide e um antidepressivo, o que
pode fornecer alívio adicional da dor ao
usar doses mais baixas de cada um para
minimizar os efeitos colaterais. No entanto,
os pacientes com DCPA, muitas vezes,
apresentam dor musculoesquelética comórbida,
espasticidade e depressão, o que requer uma
farmacoterapia combinada, bem como uma
abordagem de tratamento multimodal,
incluindo fisioterapia e aconselhamento
psicossocial (Gilron et al., 2009; Serpell,
2002).
Em relação ao
tratamento não farmacológico, há a
Estimulação Magnética Transcraniana
Repetitiva (EMTr), um procedimento que
utiliza estímulos elétricos e magnéticos
excitatórios ou inibitórios para
reestabelecer o funcionamento cerebral.
Khedr et al, em seus estudos, mostraram que
5 sessões diárias de EMTr sobre o córtex
motor de pacientes com DCPA podem produzir
alívio de dor com duração de 2 semanas,
apresentando um nível III de evidência (Khedr
et al, 2005). Para os estudos de Shimizu et
al, houve um alívio da dor a curto prazo
para pacientes com DCPA intratável de
membros inferiores, apresentando um nível II
de evidência, os mesmos autores sugeriram
que a restauração da excitabilidade cortical
anormal pode ser um dos mecanismos
subjacentes ao alívio da dor quando há uma
DCPA intratável (Shimizu et al, 2017). Os
pesquisadores Goto et al, afirmaram que,
além do trato corticoespinhal, o trato
talamocortical também desempenha um papel na
redução da dor pela EMTr (Goto et al, 2008).
Outra intervenção não farmacológica seria a
estimulação Elétrica do Cérebro e da Medula
Espinhal, o qual envolve a estimulação
elétrica das áreas do cérebro que controlam
o movimento. A estimulação do córtex motor
foi estudada em pequenos estudos não
controlados abertos, mostrando controle
satisfatório da dor, o qual foi preservado
por até 2 anos (Nível IV de evidência).
Estes mesmos estudos afirmam que o controle
satisfatório da dor foi obtido com mais
frequência à medida que o local de
estimulação foi movido para níveis mais
altos em uma extensão variável.
Portanto,
apesar do diagnóstico não ser simples, os
profissionais da saúde devem receber
capacitação para identificar a possibilidade
deste tipo de sequela em pacientes no
pós-AVC. Além disto, é de suma importância o
reconhecimento da necessidade de uma
abordagem interprofissional, a fim de
priorizar estratégias (farmacológicas ou
não) viáveis e eficazes, respeitando o
quadro clínico de cada paciente.
Referencias:
-
GBD 2019
Stroke Collaborators. “Global, regional,
and national burden of stroke and its
risk factors, 1990-2019: a systematic
analysis for the Global Burden of
Disease Study 2019.” The Lancet.
Neurology vol. 20,10 (2021): 795-820.
doi:10.1016/S1474-4422(21)00252-0
-
Rajsic, S
et al. “Economic burden of stroke: a
systematic review on post-stroke care.”
The European journal of health economics:
HEPAC : health economics in prevention
and care vol. 20,1 (2019): 107-134. doi:10.1007/s10198-018-0984-0
-
Finnerup,
N. B., Attal, N., Haroutounian, S.,
McNicol, E., Baron, R., Dworkin, R. H.,
Gilron, I., Haanpää, M., Hansson, P.,
Jensen, T. S., Kamerman, P. R., Lund,
K., Moore, A., Raja, S. N., Rice, A. S.
C., Rowbotham, M., Sena, E., Siddall,
P., Smith, B. H., & Wallace, M. (2015).
Pharmacotherapy for neuropathic pain in
adults: a systematic review and
meta-analysis. The Lancet Neurology,
14(2), 162–173.
https://doi.org/10.1016/S1474-4422(14)70251-0
-
Gilron,
I., Bailey, J. M., Tu, D., Holden, R.
R., Jackson, A. C., & Houlden, R. L.
(2009). Nortriptyline and gabapentin,
alone and in combination for neuropathic
pain: a double-blind, randomised
controlled crossover trial. The Lancet,
374(9697), 1252–1261.
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(09)61081-3
-
Greenblatt,
H. K., & Greenblatt, D. J. (2016).
Antidepressant-Associated Hyponatremia
in the Elderly. Journal of Clinical
Psychopharmacology, 36(6), 545–549.
https://doi.org/10.1097/JCP.0000000000000608
-
Habibi-Koolaee, M., Shahmoradi, L.,
Niakan Kalhori, S. R., Ghannadan, H., &
Younesi, E. (2018). Prevalence of Stroke
Risk Factors and Their Distribution
Based on Stroke Subtypes in Gorgan: A
Retrospective Hospital-Based Study -
2015-2016. Neurology Research
International, 2018.
https://doi.org/10.1155/2018/2709654
-
Haroutounian, S., Ford, A. L., Frey, K.,
Nikolajsen, L., Finnerup, N. B., Neiner,
A., Kharasch, E. D., Karlsson, P., &
Bottros, M. M. (2018). How central is
central poststroke pain? The role of
afferent input in poststroke neuropathic
pain: A prospective, open-label pilot
study. Pain, 159(7), 1317–1324.
https://doi.org/10.1097/J.PAIN.0000000000001213
-
Henry, J.
L., Lalloo, C., & Yashpal, K. (2008).
Central poststroke pain: An abstruse
outcome. Pain Research and Management,
13(1), 41–49.
https://doi.org/10.1155/2008/754260
-
Kim, J. S.
(2014). Pharmacological Management of
Central Post-Stroke Pain: A Practical
Guide. CNS Drugs 2014 28:9, 28(9),
787–797.
https://doi.org/10.1007/S40263-014-0194-Y
-
Klit, H.,
Finnerup, N. B., & Jensen, T. S. (2009).
Central post-stroke pain: clinical
characteristics, pathophysiology, and
management. The Lancet Neurology, 8(9),
857–868.
https://doi.org/10.1016/S1474-4422(09)70176-0
-
Levendoğlu,
F., Öğün, C. Ö., Özerbil, Ö., Öğün, T.
C., & Uğurlu, H. (2004). Gabapentin Is a
First Line Drug for the Treatment of
Neuropathic Pain in Spinal Cord Injury.
Spine, 29(7), 743–751.
https://doi.org/10.1097/01.BRS.0000112068.16108.3A
-
Pickering,
G., Marcoux, M., Chapiro, S., David, L.,
Rat, P., Michel, M., Bertrand, I., Voute,
M., & Wary, B. (2016). An Algorithm for
Neuropathic Pain Management in Older
People. Drugs and Aging, 33(8), 575–583.
https://doi.org/10.1007/S40266-016-0389-7/FIGURES/4
-
Serpell,
M. G. (2002). Gabapentin in neuropathic
pain syndromes: A randomised,
double-blind, placebo-controlled trial.
Pain, 99(3), 557–566.
https://doi.org/10.1016/S0304-3959(02)00255-5
-
Staudt, M.
D., Clark, A. J., Gordon, A. S., Lynch,
M. E., Morley-Forster, P. K., Nathan,
H., Smyth, C., Stitt, L. W., Toth, C.,
Ware, M. A., & Moulin, D. E. (2018).
Long-Term Outcomes in the Management of
Central Neuropathic Pain Syndromes: A
Prospective Observational Cohort Study.
Canadian Journal of Neurological
Sciences, 45(5), 545–552.
https://doi.org/10.1017/CJN.2018.55
-
Shimizu T,
Hosomi K, Maruo T, et al. Efficacy of
deep rTMS for neuropathic pain in the
lower limb: a randomized, double-blind
crossover trial of an H-coil and
figure-8 coil. J Neurosurg.
2017;127(5):1172.
-
Goto T,
Saitoh Y, Hashimoto N, et al. Diffusion
tensor fiber tracking in patients with
central post-stroke pain; correlation
with efficacy of repetitive transcranial
magnetic stimulation. Pain.
2008;140(3):509–18.
-
Khedr EM,
Kotb H, Kamel NF, Ahmed MA, Sadek R,
Rothwell JC. Longlasting antalgic
effects of daily sessions of repetitive
transcranial magnetic stimulation in
central and peripheral neuropathic pain.
J Neurol Neurosurg Psychiatry.
2005;76(6):833–8.
-
Liampas, A
et al. Prevalence and management
challenges in central post-stroke
neuropathic pain: A systematic review
and meta-analysis. Advances in therapy,
v. 37, n. 7, p. 3278-3291, 2020.
*
Alunas de mestrado - UnB - disciplina da
Pós-Graduação
|
|
|
|