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Editorial do mês |
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Estimulação Elétrica Nervosa
Transcutânea (TENS) no manejo da dor -
evidências, benefícios e limitações
Beatriz
dos Santos Faria e Samuel Barbosa Mezavila
Abdelmur *
A
International Association for the Study of
Pain (IASP) revisou a definição de dor,
descrevendo-a como "uma potencial
experiência sensitiva e emocional
desagradável associada ou semelhante àquela
associada a uma lesão tecidual real ou ".
Essa definição é acompanhada por seis notas
explicativas que oferecem maior
detalhamento: (1) a dor é uma experiência
subjetiva, influenciada por fatores
biológicos, psicológicos e sociais em graus
variados; (2) dor e nocicepção são fenômenos
distintos, sendo que a dor não pode ser
explicada exclusivamente pela atividade dos
neurônios sensitivos; (3) o conceito de dor
é aprendido por meio das vivências
individuais; (4) o relato de dor por parte
de um indivíduo deve sempre ser respeitado;
(5) embora tenha um papel adaptativo, a dor
pode impactar negativamente a função, o
bem-estar psicológico e social; e (6) a
expressão verbal é apenas uma das formas de
manifestar dor, sendo possível que seres
humanos ou animais que não conseguem se
comunicar também a sintam1,2.
A dor pode ser
classificada de acordo com seus mecanismos
fisiopatológicos em nociceptiva, neuropática
e mista3,4, quanto às suas
características específicas, tais como
somática (como osteoartrite, artralgias e
metástase óssea), visceral (como câncer
abdominal e cistite hemorrágica
pós-quimioterapia), central (dor de membro
fantasma e síndrome complexa regional tipos
I e II) ou periférica (neuropatia diabética,
neuralgia trigeminal e neuropatias
relacionadas a tratamentos oncológicos)4,
e quanto à sua temporalidade, podendo a dor
ser classificada como aguda ou crônica.
Geralmente, a dor aguda tem duração
limitada, de minutos a menos de seis meses,
e é comum após lesões, cirurgias ou
procedimentos médicos5. Outro
ponto de preocupação é que a gestão
inadequada da dor aguda pode contribuir para
sua progressão para dor crônica6,7.
Exemplos são situações de dor intensa e
estresse desencadeados por procedimentos
médicos8.
A dor crônica,
por sua vez, é definida como aquela que
persiste por mais de três meses,
ultrapassando o período esperado de cura de
uma lesão ou associada a condições
patológicas contínuas. Para dores
musculoesqueléticas não oncológicas, três
meses é o critério mais utilizado, embora,
em pesquisas, seis meses também sejam
frequentemente adotados9,10. As
condições associadas incluem fibromialgia,
diabetes mellitus, enxaqueca, artrite,
síndrome do intestino irritável e câncer,
entre outras11.
O tratamento
da dor requer uma abordagem multimodal,
envolvendo estratégias farmacológicas,
físicas e psicológicas12.
Exemplos incluem o uso de canabinoides para
dor neuropática e crônica13,14,
analgésicos e opióides15, além de
técnicas não farmacológicas, como
laserterapia e eletroanalgesia, que mostram
eficácia no controle da dor crônica16.
Outras intervenções, como bloqueios nervosos
periféricos, acupuntura, fisioterapia,
musicoterapia e terapia
cognitivo-comportamental, têm demonstrado
benefícios significativos no manejo da dor
pós-operatória e na recuperação funcional17.
Entre os
tratamentos não farmacológicos, a
estimulação elétrica nervosa transcutânea
(TENS) é amplamente utilizada para dores
agudas e crônicas. A TENS é usada em
diferentes contextos clínicos, como dor
aguda pélvica e dismenorreia primária18,
trabalho de parto19,
pós-operatório20, e seus
protocolos variam de acordo com a relevância
do estudo, analisando a eficácia, limitações
e aplicações dos trabalhos.
A técnica do
TENS consiste na aplicação de corrente
elétrica, do tipo alternada, de baixa
voltagem por meio de eletrodos na pele,
próximos à área da dor, com parâmetros
ajustáveis de frequência, duração do pulso e
intensidade19,20. Seu mecanismo
de ação baseia-se na modulação da
transmissão dos sinais dolorosos através das
fibras nervosas, utilizando pulsos elétricos
de baixa intensidade aplicados à pele. Esses
estímulos ativam fibras nervosas de grande
diâmetro, inibindo a condução de sinais
nociceptivos por fibras menores, conforme
descrito pela teoria do controle do portão21.
Além disso, o
TENS estimula a liberação de
neurotransmissores analgésicos, como
endorfinas e encefalinas, contribuindo para
o alívio da dor22. Essa técnica
tem se mostrado eficaz em diferentes tipos
de dor aguda, como a dor pós-operatória,
dores musculoesqueléticas e a dor aguda do
trabalho de parto22. Sua
aplicação é valorizada por ser uma
alternativa segura, de baixo custo e com
efeitos colaterais mínimos, especialmente
quando comparada a intervenções
farmacológicas.
O TENS também
segue o mesmo princípio da ativação de
mecanismos inibitórios endógenos, promovendo
a liberação de neurotransmissores como
endorfinas, serotonina e encefalinas, que
contribuem para a diminuição da percepção da
dor18,23,24.
Evidências
sugerem que a TENS é eficaz no alívio da dor
musculoesquelética crônica, mas seus
benefícios de longo prazo são limitados para
algumas condições clínicas25,26.
Revisões sistemáticas indicam que o TENS é
eficaz no tratamento de diversas condições
de dor crônica, como dor musculoesquelética,
lombalgia crônica, osteoartrite, neuropatia
diabética e dor miofascial23,24,33.
Além disso, sua aplicação tem sido associada
a melhorias na qualidade de vida dos
pacientes e na funcionalidade física,
reduzindo a necessidade de analgésicos
opioides e seus efeitos adversos24.
Apesar de sua eficácia, a resposta ao TENS
pode variar entre os pacientes, dependendo
de fatores como frequência, intensidade e
duração da aplicação, além da correta adesão
ao tratamento23,34.
Ademais, não
existe um consenso claro para a utilização
da TENS no contexto das dores lombares
crônicas. Enquanto alguns estudos indicam
que sua eficácia é limitada27,
outros demonstram sucesso no tratamento da
dor lombar crônica e neuropatias28.
Os tamanhos
amostrais de estudos encontrados na
literatura que trabalham com a TENS variam
significativamente entre os estudos de dor
crônica e dor aguda, refletindo diferenças
potenciais na generalização dos resultados.
Para dor crônica, os tamanhos amostrais
maiores (969 a 2.758 participantes)29,30,31
fornecem maior poder estatístico, aumentando
a confiabilidade dos trabalhos. Por outro
lado, os estudos de dor aguda apresentaram
amostras consideravelmente menores (20 a 326
participantes)30, o que pode
limitar a precisão. Essa disparidade sugere
que os resultados dos estudos sobre dor
crônica podem ser mais confiáveis e
representativos, enquanto os estudos de dor
aguda exigem mais cautela na interpretação e
replicação.
Apesar dos
benefícios da TENS no manejo da dor aguda,
essa técnica apresenta algumas limitações
que podem impactar sua eficácia. Uma das
principais restrições está relacionada à
duração dos efeitos analgésicos, que
frequentemente são transitórios e podem
requerer reaplicações frequentes para
manutenção do alívio da dor22.
Além disso, a eficácia do TENS pode variar
dependendo da intensidade, frequência e
localização dos eletrodos, o que demanda uma
aplicação precisa e individualizada para
resultados óptimos35. Em algumas
condições, como dores muito intensas ou
associadas a danos estruturais
significativos, o TENS pode ser insuficiente
como único tratamento, necessitando ser
combinado com outras intervenções
terapêuticas. Outro fator limitante é a
resposta variável entre pacientes, que pode
ser influenciada por fatores individuais,
como tolerância à estimulação elétrica e
condições subjacentes22. Essas
limitações reforçam a necessidade de
avaliações contínuas e abordagens
multimodais no manejo da dor aguda.
Quanto à dor
crônica, principalmente em relação à duração
dos seus efeitos, à variabilidade da
resposta entre os pacientes e à necessidade
de uso contínuo para manutenção do alívio da
dor. Embora o TENS possa proporcionar um
alívio significativo, seus efeitos costumam
ser temporários e podem diminuir ao longo do
tempo devido ao desenvolvimento de
tolerância ao estímulo elétrico23,33.
Além disso, a resposta ao TENS pode ser
altamente individualizada, com alguns
pacientes relatando alívio substancial,
enquanto outros experimentam apenas uma
melhora mínima ou temporária23,24.
Outra
limitação importante do TENS na dor crônica
está relacionada à adesão ao tratamento,
pois o uso contínuo e regular é essencial
para garantir a eficácia, o que pode ser um
desafio para pacientes que enfrentam
barreiras como dificuldades de uso, falta de
motivação ou desconforto durante a aplicação34.
Além disso, o TENS pode não ser eficaz para
todos os tipos de dor crônica, especialmente
aquelas com forte componente neuropático,
onde os mecanismos de modulação da dor podem
ser menos responsivos à estimulação elétrica
superficial24 assim como em
pacientes com marca-passo e aqueles com
condições cardíacas não controladas. Dessa
forma, embora o TENS seja uma alternativa
valiosa e não invasiva para o manejo da dor
crônica, ele deve ser considerado como parte
de um plano de tratamento multimodal,
combinado com outras abordagens terapêuticas
para maximizar seus benefícios23,34.
Entre os contraindicados para TENS estão os
portadores de marca-passo e de alterações
físicas e cardíacas não controladas36.
Considerando
que diversos estudos analisados sugerem
eficácia da TENS na dor aguda e que ainda
existem questionamentos para o uso na dor
crônica, a intervenção segue como uma
alternativa como protocolo para analgesia.
No entanto, permanecem necessárias
investigações adicionais, tendo como
objetivo padrões metodológicos mais
robustos, falta de padronização e
heterogeneidade dos dados.
Apesar de
tudo, a literatura mostra que o TENS
continua uma alternativa não invasiva para
analgesia, de baixo custo, e que merece
destaque e atenção por promover alívio para
pacientes em diversos tipos de dor (citar
exemplos de dor aguda).
Considerando
que diversos estudos analisados sugerem
eficácia da TENS na dor aguda e que ainda
existem questionamentos para o uso na dor
crônica, a intervenção segue como uma
alternativa promissora no manejo da dor. No
entanto, permanecem necessárias
investigações adicionais com padrões
metodológicos mais robustos para estabelecer
diretrizes mais claras sobre sua aplicação e
garantir que os pacientes recebam o máximo
benefício possível desse recurso
terapêutico.
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