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Editorial do mês

 

 

A dor psicossomática e a reabilitação cognitiva
Ana Beatriz Costa Bezerra1, Gustavo Reis Sampaio2 e Kamila Matos3,

 

Quantos de nós reprimimos nossas emoções e sentimentos a ponto de se tornarem dor física!?

 

A incidência de dores de origens emocionais e psicológicas tem ampliado o interesse dos pesquisadores pelas doenças psicossomáticas a fim de contribuírem para melhorar a qualidade de vida humana. A partir da década de 40, o termo psicossomático passou a ser utilizado para nomear o campo da medicina que atua com influência de aspectos psicológicos para a determinação de doenças orgânicas, considerando que não é possível separar o psicológico do orgânico (ZIMERMAN, 2009).

 

O Código Internacional de Doenças (CID-10) define a doença psicossomática como uma condição de apresentação repetitiva de sintomas físicos persistentes que não possuem base física, porém mantém íntima relação com eventos emocionais desagradáveis e conflituosos (WELLS et al., 2011). Já o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V) adota o termo “transtorno de sintoma somático e transtornos relacionados”, como uma condição na qual o relato subjetivo do paciente de sintomas físicos está associado a sofrimento, interrupção do funcionamento diário e pensamentos, sentimentos e emoções desproporcionais, que tendem a aparecer de forma intensa e constante (COZZI et al., 2021). Isto é, a doença psicossomática pode existir em vários graus, o diagnóstico deve ser pautado na manifestação de sintomas somáticos perturbadores associados a sentimentos, comportamentos e pensamentos considerados anormais como resposta ao sintoma e não apenas no fato de que os sintomas não são acompanhados de uma causa médica/fisiológica.

 

A dor é o sintoma mais comumente relatado por pacientes com doença psicossomática. Contudo, devido a uma possível falta de conscientização e treinamento dos profissionais, esses pacientes muitas vezes não são reconhecidos, ou são mal diagnosticados e mal manejados terapeuticamente. Isso reforça o círculo vicioso de preocupação com uma doença desconhecida, aumenta a ansiedade e, em última instância, contribui para as idas recorrentes aos serviços de saúde (COZZI et al., 2021). Alguns fatores muito subjetivos podem afetar a presença destas dores, como a visão de vida negativa, a supervalorização das dores, a descrença na cura, ou até mesmo o estresse crônico, isolamento social ou a genética e herança fisiológica de dores (HOSPITAL SANTA MÔNICA, 2019). Saber destas possibilidades, remetem ao próprio sujeito ou ao profissional de saúde aprender a lidar e realizar encaminhamentos corretos para a cura.

 

É fundamental desmistificar as dores psicossomáticas, dando ouvidos e levando-as em consideração para alcançar uma solução eficaz. O processo de psicoterapia, em grupo ou individual, é um aliado para a cura ou amenização dos sintomas, e deve atuar em conjunto com acompanhamento por psiquiatras, reumatologistas, fisioterapeutas, e outros profissionais de saúde (TRAJANO, 2022). Esta abordagem multiprofissional abrangerá não só a estruturação dos cuidados, mas também facilitará o diálogo entre paciente e família, além de expandir a própria capacidade de autocompreensão e respeito aos seus próprios sintomas e demandas.

 

As atuais pesquisas neurocientíficas muito contribuíram para a compreensão de nossas estruturas cerebrais e permitiram o desenvolvimento da reabilitação cognitiva, como uma abordagem terapêutica útil para uso concomitante aos tratamentos tradicionais. Trata-se de uma técnica que consiste em um conjunto de práticas não farmacológicas que têm como objetivo reduzir os déficits causados por problemas neurológicos ou por doenças degenerativas, garantindo que o paciente tenha autonomia e independência funcional e ativa, no maior nível possível (SERON et al., 2008).

 

A reabilitação cognitiva é uma abordagem promissora para o tratamento de disfunções cognitivas e vem sendo recentemente empregada no tratamento da dor psicossomática crônica (FERSUM, 2019). A prática da reabilitação cognitiva pode ser realizada por especialistas de diversas áreas que tenham treinamento específico. Existem duas abordagens gerais de reabilitação cognitiva para a melhora das funções cognitivas e atividades de vida diária: a restaurativa e a compensatória (CHEN et al., 2021). Tais práticas se tornam possíveis diante do complexo conceito de reserva cognitiva, a capacidade do cérebro armazenar vários repertórios comportamentais e cognitivos que o tornará mais flexível para enfrentar possíveis doenças neurais e manter uma atividade mental contínua ao longo da vida (BEZERRA, 2012; LAKS, 2015). A reserva cognitiva aliada ao conceito de neuroplasticidade, capacidade de criar neurônios ou novas conexões ou, ainda, reutilizar caminhos neuronais e suas conexões existentes e esquecidas ou pouco usadas, ampliam a capacidade de resposta comportamental e cognitiva do cérebro (PODCAST RESERVA COGNITIVA, 2022). Tais achados neurocientíficos nos trazem uma excelente notícia: pode-se reabilitar o cérebro!

 

O emprego de tratamentos cognitivos para o controle da dor é uma abordagem recente e ainda em fase de investigação sobre seus reais benefícios clínicos, mas os achados até aqui demonstraram resultados positivos, sobretudo no controle da dor emocional (FERSUM, 2019). Ademais, a reabilitação cognitiva vem contribuir ao tratamento de dores psicossomáticas aliando-se ao tratamento psicológico por fazer o paciente aprender a controlar seus pensamentos, a realizar uma autorregulação de ideias positivas e retirar o foco nas dores. Além disso, ela introduz novas rotinas intelectuais que irão desfocar o pensamento contínuo na dor para outros focos de interesse intelectual aumentando, inclusive, a autoestima (CLÍNICA ESTÍMULOS, c2019).

 

Diante do exposto, é possível que o próprio sujeito, em conjunto com uma rede de profissionais, possa realinhar o novo caminho para lidar com sua dor. Visto que o cérebro é plástico, pode-se treinar, com o uso da reabilitação cognitiva, a autorregulação, sugerindo novos focos em atividades intelectuais; estimulando uma vida socialmente ativa; criando metas; auxiliando na organização de rotina; criando hábitos de atividade física e, por fim, usando estratégias de alcance de calma e equilíbrio para controlar o estresse e a dor. Com a orientação profissional adequada é possível treinar, controlar e modificar os pensamentos e dessa forma, tirar o paciente do quadro de dor e permitindo-lhe uma vida com maior plenitude.

 

Referências:

  • Bezerra AB, Coutinho ES, Barca ML, Engedal K, Engelhardt E, Laks J. School attainment in childhood is an independent risk factor of dementia in late life: results from a Brazilian sample. Int Psychogeriatr. 2012;24(1):55-61. doi:10.1017/S1041610211001554

  • Chen MH, Chiaravalloti ND, DeLuca J. Neurological update: cognitive rehabilitation in multiple sclerosis. J Neurol. 2021;268(12):4908-4914. doi:10.1007/s00415-021-10618-2

  • CLÍNICA ESTÍMULOS. Clínica Estímulos: avaliação e reabilitação cognitiva, c2019. Página inicial. Disponível em: <https://www.clinicaestimulos.com.br/>. Acesso em: 20 de nov. de 2022.

  • Cozzi G, Lucarelli A, Borrometi F, et al. How to recognize and manage psychosomatic pain in the pediatric emergency department. Ital J Pediatr. 2021;47(1):74. Published 2021 Mar 25. doi:10.1186/s13052-021-01029-0

  • ENTENDA o que são doenças psicossomáticas: qual a origem, sintomas e tratamentos. Hospital Santa Mônica, 28 de maio de 2019. Disponível em: <https://hospitalsantamonica.com.br/entenda-o-que-sao-doencas-psicossomaticas-qual-a-origem-sintomas-e-tratamentos/>. Acesso em: 20 de nov. de 2022.

  • Fersum KV, Smith A, Kvåle A, Skouen JS, O'Sullivan P. Cognitive functional therapy in patients with non-specific chronic low back pain-a randomized controlled trial 3-year follow-up. Eur J Pain. 2019;23(8):1416-1424. doi:10.1002/ejp.1399

  • Laks J. Dementia and the protective role of cognitive reserve. Arq Neuropsiquiatr. 2015;73(6):473. doi:10.1590/0004-282X20150091

  • RESERVA COGNITIVA. [Locução de]: Sandra Villanueva. [S. l.]: Estoy en Paz, 22 de jun. de 2022. Podcast. Disponível em: <https://open.spotify.com/episode/4erzBGudLqd1G2RWhUAMv9?si=pc2CSSgHRl6E_wk6L-1xWw&utm_source=whatsapp&nd=1/>. Acesso em: 20 de nov. 2022.

  • Seron X, Rossetti Y, Vallat-Azouvi C, Pradat-Diehl P, Azouvi P. La rééducation cognitive [Cognitive rehabilitation]. Rev Neurol (Paris). 2008;164 Suppl 3:S154-S163. doi:10.1016/S0035-3787(08)73307-1

  • TRAJANO, Michely Mendes Ciardulo. Fibromialgia: aspectos dolorosos e psicossomáticos. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 8, n. 4, p. 633-646, 2022.

  • WELLS, R. H. C. et al. CID-10: classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. São Paulo: EDUSP, 2011. ZIMERMAN, David E. Manual de técnica psicanalítica: uma revisão. Artmed Editora, 2009.


1 Aluna de doutorado – UnB, 2 Aluno de doutorado – UFBA, 3 Aluna de doutorado – FIOCRUZ